Norma da AGU libera advocacia privada para poucos
O projeto de reforma da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União —o PLP 205/2012— causou acirradas discussões sobre o modelo de advocacia pública adotado pela Administração Federal que servirá naturalmente de paradigma para a advocacia pública em todo País.
A Constituição de 1988 trouxe o Ministério Público e Advocacia Pública para a vida dos brasileiros. A experiência constitucional anterior demonstrou que a figura do “promotor-advogado” não era adequada para a realização das missões do parquet. Cindiram-se, então, as atribuições da promotoria de justiça, que ficaram a cargo do Ministério Público, das atribuições de advogado, que ficaram nas mãos da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias dos Estados.
Passadas mais de duas décadas, o Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados receberam tratamento bastante similar, respeitando-se as peculiaridades locais de cada estado. Durante esse tempo, o promotor de Justiça ganhou destaque no cenário nacional e a razão de ser de suas funções foi assimilada pela sociedade.
Os advogados públicos, contudo, ainda não têm uma identidade. Não obstante suas atribuições terem sido alçadas a mesma dignidade constitucional daquelas previstas para o Ministério Público e para Magistratura, existem enormes assimetrias entre as carreiras da advocacia pública brasileira. Em âmbito federal, as discrepâncias gritam: os membros da AGU são considerados advogados para fins de inscrição na OAB e pagamento das respectivas anuidades, mas ainda não são considerados advogados fins de recebimento de honorários e livre exercício de sua profissão[1].
Mas isso não deveria ser assim. Os advogados públicos de todos os entes federados receberam da Constituição uma idêntica missão — a representação judicial e o assessoramento do Estado. Além do regramento constitucional, há outra nota de semelhança que aproxima toda a categoria: apesar do adjetivo, o advogado público não deixa de ser advogado, que exerce uma função constitucionalmente privilegiada por ser indispensável à administração da Justiça. Somente a partir da aceitação de sua natureza e da autoafirmação de seus direitos, em toda sua plenitude, é que os advogados públicos conseguirão construir uma identidade nacional e projetar a importância de seu papel perante a sociedade brasileira.
O PLP 205/2012, nessa perspectiva, estava diante da possibilidade de aperfeiçoar a advocacia pública federal. Ele trouxe para debate assuntos polêmicos, como a aceitação de não concursados como membros da AGU e regras sobre a hierarquia e responsabilização do advogado parecerista. No entanto, um aspecto inovador do projeto —a liberação da advocacia privada— passou praticamente despercebido em meio às discussões acaloradas.
A nova redação que o projeto pretende dar ao artigo 28, I da LOAGU, infelizmente, restringe o exercício da advocacia privada em favor de poucos membros, a serem escolhidos dentro de critérios de conveniência e oportunidade das chefias da AGU, criando um tratamento nitidamente discriminatório internamente, em violação frontal ao estatuto constitucional da advocacia pública[2].
Procuradores iguais, mas com direitos diferentes. É essa uma das consequências da aprovação do projeto de lei que permitirá ao advogado da União o exercício da advocacia privada, “quando em licença ou afastado, sem vencimento”.
Essa situação desigual, na verdade, já ocorre atualmente à margem de qualquer previsão legal. Sem modificar o texto da lei, a AGU vem relaxando a proibição do exercício da advocacia privada: desde 2009, os membros da AGU foram autorizados a exercer a advocacia privada pro bono, em causa própria e, se licenciados, podem advogar livremente, conforme (i) Portaria 758/2009 do Advogado-Geral da União, (ii) Instrução Normativa Conjunta 1/2009 do corregedor-geral da União e do procurador-geral federal e (iii) Orientação Normativa 27/2009 do Advogado-Geral da União; e (iv) Despacho do Advogado-Geral da União no processo administrativo 00400.023223/2009-89.
Durante o período de afastamento, sustenta-se que o procurador licenciado, “por não desempenhar suas atribuições institucionais, não pode, nos termos dos artigos 121 e 124 da mesma lei, ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por atos praticados fora do exercício de suas atribuições funcionais. É bom ressaltar que o próprio caput do artigo 28 da LC 73/1993 destaca a expressão ‘…proibições decorrentes do exercício de cargo público…’, logo, se a licença constitui interrupção da prestação de serviço, é no mínimo duvidoso que as vedações permaneçam efetivas quando o vínculo se encontra interrompido”.
Ora, se o procurador está no gozo de férias, em licença médica, licença para se capacitar ou até mesmo se é punido com a suspensão, como ocorre com aqueles que exerceram a advocacia privada, ele não se encontra no desempenho de suas atribuições. Logo, poderia advogar sem ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente. Se esse raciocínio for levado adiante, pode-se concluir que um juiz ou promotor, quando licenciado, também poderia advogar.
Nada disso faz sentido.
O Conselho Federal da OAB[3], a quem cabe com exclusividade a interpretação do Estatuto da Ordem, entendeu que, mesmo em períodos de licença, o servidor proibido de advogar continua proibido. A propósito, transcrevo uma decisão dentre inúmeras outras no mesmo sentido:
EMENTA DO CONSELHO FEDERAL DA OAB: Ementa 45/2003/OEP. Auditor Fiscal — Atribuições Previstas em Lei — Incompatibilidade para o exercício da Advocacia. — O Auditor Fiscal ocupa cargo público de atividade-fim na área tributária. Dentre suas atribuições estão a de inspeção, controle e execução de trabalhos de administração tributária, executar a revisão físico-contábil; fiscalizar as receitas estaduais; constituir privativamente créditos tributários através de lançamentos ex officio com lavratura de auto de infração (Lei Estadual 4.794/1988), portanto, misteres incompatíveis com a atividade advocatícia, a teor do disposto no artigo 28, VII, do EAOAB. – O afastamento temporário não faz extinguir a incompatibilidade. Se permanece ocupando, em situação permanente, cargo incompatível com a advocacia, a incompatibilidade persiste, ainda que eventual e temporariamente não exercendo as respectivas funções. Recurso improvido. (Recurso 0008/2003/OEP-BA. Relator: Conselheiro José B. Souza (MA), julgamento: 13 de outuboro de 2003, unanimidade, DJ 18 de novembro de 2003, p. 456, S1);
Deixe-se claro: a LOAGU diz que é vedado o exercício da advocacia fora das atribuições funcionais. Não fez qualquer ressalva. Aquelas portarias, despachos e instruções normativas é que disseram o contrário e criaram algumas exceções. Na prática, atos administrativos contrariaram a lei. Poderiam ser tachados de ilegais. Mas essa não nos parece a melhor solução.
Em primeiro lugar, ao reduzir a proibição legal de advogar, a Administração negou aplicação à lei naquelas hipóteses específicas, o que equivale ao reconhecimento de sua inconstitucionalidade pelo próprio Poder Executivo. Esses atos só são válidos se se reconhecer que retiraram seu fundamento de validade numa norma superior, no direito constitucional de liberdade de profissão[4]. Mas esse reconhecimento trará implicações de outra ordem.
Os regulamentos que autorizaram a advocacia privada parecem-nos inócuos porque não cabe à AGU regular a advocacia privada, que é competência exclusiva da OAB. Segundo o ministro Marco Aurélio “[a] Ordem dos Advogados do Brasil, precisamente em razão das atividades que desempenha, não poderia ficar subordinada à regulamentação presidencial ou a qualquer órgão público, não só quanto ao exame de conhecimentos, mas também no tocante à inteira interpretação da disciplina da Lei 8.906/9 (…). Nesse campo, a vontade superior do Chefe do Executivo não deve prevalecer, mas sim a dos representantes da própria categoria”.
Dizer que o procurador pode advogar durante o período de licença, em causa própria ou mesmo fora do horário de trabalho equivale a editar portarias afirmando que os procuradores estão autorizados a viajar nos feriados ou a se casarem nos finais de semana. Trata-se de uma intromissão na esfera de liberdade que o regime estatutário, por sua natureza, não poderia disciplinar. Não cabe à AGU tratar do exercício de atividades privadas que não causem potencial conflito de interesses com a Administração. Cabe apenas analisar se há, ou não, o conflito.
O regime estatutário pode criar deveres relacionados a esse estado especial de sujeição, abrangendo os aspectos que interfiram no bom desempenho das funções. Pode proibir o exercício de atividades durante o horário de trabalho ou imprimir o regime de exclusividade, vedando que o servidor também seja empregado de outro patrão que não seja a União, como fazia o art. 12, par. único, inc. II da Lei nº 4.345/64. Todos os aspectos da vida que estiverem foram dessa esfera de interesses estarão protegidos pelo direito de liberdade, a exemplo das hipóteses de exercício da advocacia franqueadas pelo Estatuto da OAB.
Se a atividade do Membro da AGU é considerada por lei advocacia (art. 3º, § 1º da Lei nº 8.906/93) e se houve o preenchimento das qualificações profissionais estipuladas em lei (art. 5º, XIII da CF/88 e art. 8º do Estatuto da OAB), o advogado público não deveria sofrer restrições para exercício de seu direito fundamental de advogar, respeitando-se apenas o impedimento e incompatibilidades (art. 28, III e II c/c art. 30, I do Estatuto da OAB), como já acontece com os Procuradores de Estado.
O exercício de atividades privadas pelo Membro da AGU atualmente é tratado pela Lei nº 11.890/2008. Deste então, os advogados públicos federais foram autorizados, por lei, a exercer inúmeras atividades privadas. Podem ser professores, empresários, músicos, membros de conselhos de administração de sociedades anônimas, donos de cartório[5] ou até mesmo conferencista de cargas em portos[6]. Em resumo, o advogado público pode ser tudo, menos advogado.
Fica também sem resposta a indagação: por que um médico, um dentista ou um agente de trânsito pode exercer livremente sua profissão, fora do horário de trabalho, mas os advogados públicos federais são os únicos que não podem? Há um exemplo gritante: os Advogados do Senado são advogados federais, à semelhança dos Membros da AGU, mas podem exercer livremente a advocacia. Ambos estão a serviço da mesma causa – a defesa dos interesses da União – e o que lhes separa é o vínculo a Poderes diferentes: os Advogados da União estão ligados ao Executivo, ao passo que os Advogados do Senado, ao Legislativo. Porém, isso não justifica um tratamento tão discrepante.
Não é preciso ir tão longe nas comparações: se um advogado tomar posse num cargo de técnico ou analista de alguma autarquia, poderá exercer sua profissão de advogado nos termos do EOAB. Por que, então, não poderá fazê-lo justamente quando investido no cargo de advogado público, respeitando-se naturalmente o impedimento de advogar contra a União? Daí se vê que a vedação do exercício da advocacia direciona-se exclusivamente sobre o cargo de advogado público federal e não sobre quaisquer outros do Poder Executivo, cuja natureza das funções é que vai ditar eventual incompatibilidade com o exercício da advocacia.
A proibição de advogar parece-nos ser um tabu que se apoia meramente em argumentos extrajurídicos. Não há nenhum fundamento constitucional que ampare a castração do direito mais fundamental dos advogados públicos que é advogar,[7] e como acontece com as diversas atividades privadas que podem ser exercidas atualmente.
Na prática, o exercício da advocacia privada, obedecido os limites do Estatuto da OAB, será um fator de atração de profissionais qualificados para os quadros da AGU, além de fomentar o contato dos seus Membros com outras realidades do Direito na iniciativa privada, que exige a constante reciclagem e oferece desafios que o servidor público não conhece. Inegavelmente, o serviço público também ganhará com isso. E a população também. Diante de um projeto de lei que pretende criar um órgão “permeável às demandas da sociedade civil”, segundo Pedro Abramovay, ou “desengessado”, segundo Heleno Torres, a liberação da advocacia em favor de todos —e não de uns poucos como fez o projeto— atenderá a esses mesmos objetivos[8].
O ministro Marco Aurélio Mello, na decisão do RE 603.583/RS, entendeu que “a garantia constitucional de acesso à Justiça e à tutela jurisdicional efetiva, prevista no inciso XXXV do artigo 5º da Carta Federal, além de exigir o aparelhamento do Poder Judiciário, também impõe que seja posto à disposição da coletividade corpo de advogados capazes de exercer livre e plenamente a profissão”. Este, aliás, foi um dos argumentos utilizados pela União, no recurso interposto contra decisão liminar na Ação Popular que pretendia limitar o recebimento de “jetons” pelos ministros de Estado ao teto constitucional. Naquela peça[9], a AGU sustentou, dentre outras coisas, que a participação dos ministros como conselheiros das estatais gera inúmeros benefícios para aquelas empresas. Com a mesma razão, a atuação do membro da AGU poderá resultar inúmeros benefícios para a sociedade.
Basta ler as principais manchetes de política e economia dos jornais brasileiros. Temas como a cotação dos títulos da dívida pública/ a evolução do “risco país”/ a adoção de um fundo garantidor da remuneração de concessionários (Decreto 5.411/2005) justamente para contornar esses riscos/ a contratação de empréstimos externos junto a instituições financeiras ou mesmo as licitações custeadas por organismos internacionais, que se submetem a regras privadas que exorbitam o direito comum brasileiro (artigo 42, parágrafo 5º da Lei 8.666/1993); a arbitragem a que se submetem as empresas governamentais ou a própria União (artigo 11, III da Lei 11.079/2004) são temas que parecem muito distantes da vida do advogado público federal, que está encastelado na burocracia estatal e pouco familiarizado com a sofisticação do direito privado que rege os rumos da nação.
Acreditamos que a melhor solução é sustentar, com base na jurisprudência do STF[10], que a proibição de advogar do artigo 28, I da LC 73/1993 foi revogada pela Lei 11.890/2008 que prescreve aos membros da AGU o "impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada, potencialmente causadora de conflito de interesses".
Nessa perspectiva, não é necessária uma solução de lege ferenda para corrigir essas distorções. Basta reconhecimento da tese pela Consultoria-Geral da União e regulamentação das hipóteses de falta funcional e conflito de interesses pelo advogado-geral, nos termos do parágrafo único do artigo 6º da Lei 11.890/2008.
O projeto de lei perdeu a oportunidade para corrigir esses erros e deu um passo para trás, numa tentativa de legalizar essas situações criadas ao arrepio da LC 73/1993, que perenizam uma situação discriminatória internamente. Se o exercício da advocacia foi permitido aos licenciados, fica claro o favoritismo que se quer empregar ao exercício dessa prerrogativa, pois não é qualquer procurador que consegue uma licença: dependerá do critério de conveniência e oportunidade de sua chefia. Ademais, é questionável, numa carreira com quase dois mil cargos vagos[11] e que enfrenta uma maciça evasão dos seus quadros para outros cargos melhor remunerados, que procuradores sejam licenciados para advogar. Se a advocacia privada foi liberada, ela deve ser liberada para todos.
Quando se fala de perspectivas sobre um assunto ou quando se quer fazer arranjos institucionais, é muito comum adotar modelos já prontos, o que, em muitos casos, não é de todo recomendável. As conclusões desse trabalho tentam ser realistas. É certo que uma mudança de paradigma dentro da Advocacia-Geral da União trará novos problemas. Trará também novos desafios a serem enfrentados por uma Instituição que amadureceu.
Um primeiro ponto é que não se pode dar continuidade ao modelo existente —proibição, ainda que flexibilizada, da advocacia fora das atribuições funcionais— porque ele contraria a Constituição. A vontade popular soberana se esgotou na constituinte de 1988 e trouxe consensos mínimos representados pelos direitos fundamentais, que não podem ser alterados por vontades circunstanciais do Poder Legislativo, como foi aquela que deu um passo para trás, ao cercear a liberdade de profissão dos advogados públicos do Poder Executivo Federal (rememore-se que os advogados do Senado não tiveram sua liberdade de profissão malferida), conforme artigo 28, I da LC 73/1993. Esse direito —a liberdade de profissão— é uma realidade que somente o pensamento inovador de uma nova assembleia constituinte poderia dar tratamento diverso do atual. Pouco importa, pois, se convicções pessoais ou novas leis ordinárias ou complementares sustentem a proibição: sob a Constituição de 1988, ela nunca terá validade.
Por outro lado, partir de afirmações maniqueístas de que a liberdade de profissão implicaria deixar para segundo plano as atribuições do dia a dia da AGU, é adotar uma presunção de má-fé e mau caratismo e desconsiderar a existência de mecanismos efetivos de controle e fiscalização dos trabalhos dos advogados públicos, que são medidas mais adequadas e menos gravosas para se atingir a mesma finalidade que a intransigente proibição da advocacia almejou. A argumentação contrária ao direito fundamental baseia-se no medo. No entanto, a experiência bem-sucedida de muitos estados é testemunha de que há meios de se garantir a qualidade e presteza do ofício do advogado público. Eventuais escolhas por determinados tipos de controle serão feitas e justificadas, evidentemente, dentro de um debate sobre o desenho institucional que a AGU enfrentará diante da inevitável constatação: não há fundamento constitucional para proibir a advocacia fora das atribuições funcionais.
Importar simplesmente os modelos das Procuradorias de Estado ou até mesmo de outras instituições como o Ministério Público da União é perder a oportunidade de criar um modelo melhor, pois nem o MPU nem as PGE´s se deparam com os problemas e virtudes existentes na AGU. Isso não significa desprezar a experiência dos outros órgãos, mas sinalizar para a necessidade de criar uma moldura que se adapte às efetivas necessidades da advocacia pública federal.
Por tudo isso, é preciso redefinir o estatuto jurídico dos advogados públicos federais à luz da Constituição e assegurar o respeito elementar ao princípio da igualdade: membros iguais devem ter prerrogativas iguais, inclusive o exercício da advocacia privada que é direito fundamental inerente a sua condição de advogado.
[1] A própria Advocacia-Geral da União, por intermédio de sua Corregedoria (Orientação Normativa nº 01/2011 da Corregedoria), exigiu que seus Procuradores devem ser, obrigatoriamente, inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, sob pena de falta funcional. Em outros termos: a AGU reconhece, no que diz respeito às obrigações da profissão, que seus Membros são advogados. Mas, paradoxalmente, os advogados públicos da AGU não são considerados advogados para o exercício da advocacia fora das atribuições funcionais ou para recebimento de honorários.
[2] ALMEIDA, Ricardo Marques de. O estatuto constitucional da Advocacia Pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3334, 17 ago. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22412>. Acesso em: 8 mar. 2013.
[3] ALMEIDA, Ricardo Marques de. A OAB é um serviço público realmente independente? O caso dos advogados do Poder Executivo Federal. Disponível em http://www.advogadospublicos.com.br/noticia/a-oab-e-um-servico-publico-realmente-independente-o-caso-dos-advogados-do-poder-executivo-federal Acesso em: 7 de mar. 2013.
[4] Uma abordagem interessante sobre a crise da legalidade compreendida como a vinculação positiva à lei e sua substituição pela vinculação ao princípio da juridicidade pode ser encontrada em BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 130.
[5] Processo administrativo nº 00404.000124/2013-75
[6] Processo administrativo nº 00407.004734/2011-56 – Parecer nº 22/2012/DEPCONS/PGF/AGU, aprovação em 23.04.2012.
[7] Internamente, há uma peculiaridade interessante: a existência de cargos em comissão, as chamadas “chefias”, dentro da Administração Federal impede que seus titulares advoguem fora das atribuições funcionais, nos termos do Estatuto da OAB. Dentro da AGU, onde esses cargos são bastante numerosos, haveria um controle natural, porque os chefes seriam aqueles que se disporiam a assumir, voluntariamente, o munus de não exercer a advocacia fora das atribuições funcionais e seriam adequadamente remunerados pela sua escolha.
[8] Vale a pena conferir os argumentos sobre a necessidade “permeabilidade do Estado a demandas da sociedade civil” no artigo de Pedro Abramovay disponível em:
[9] Agravo de Instrumento na Ação Popular nº 5003643-37.2012.404.7104 interposto pela União no TRF-4.
[10] No julgamento do RE n º 539370/RJ ficou assentado que temas como “férias” dos procuradores da Fazenda Nacional não estariam compreendidos no conceito de “organização e funcionamento” da AGU (art. 131 da CF), que seriam os únicos submetidos à reserva de lei complementar. No caso, o Supremo aceitou que Lei Ordinária (art. 77 da Lei nº 8.112/90), que reduziu para 30 dias o período de férias de Procurador da Fazenda Nacional, revogasse o art. 30 do Decreto-lei nº 157/67, que foi recepcionado pela Constituição Federal com natureza de Lei Complementar (art. 34 § 5º do ADCT), que lhes atribuia, inicialmente, 60 dias de férias. Outrossim, durante a gestão do Ministro Gilmar Mendes como AGU, medidas provisórias revogaram regras da LC nº 73/93 que fixavam idade mínima para o advogado assumir a Consultoria Jurídica dos Ministério. Na mesma ocasião, o art. 38 §1º, I da MP nº 2.229-43/2001 criou a proibição de advogar para o cargo de procurador federal. Ora, se tantas medidas provisórias modificaram validamente a LC nº 73, tratando sobre as atribuições dos Membros da AGU, fica claro que a proibição de advogar, além de inconstitucional, pode ser livremente tratada por lei ordinária, pois Medida Provisória não pode tratar de matéria de lei complementar (art. 62 § 1º, II da CF/88).
[11] Os dados são do “GT-carreiras” – grupo de trabalho da Advocacia-Geral da União para o aperfeiçoamento das carreiras que a integram.
Carlos André Studart Pereira é procurador federal no Rio Grande do Norte e representante da carreira de procurador federal no Conselho Superior da AGU.
Artigos
11 março 2013
Liberdade profissão
Norma da AGU libera advocacia privada para poucos
Por Carlos André Studart Pereira e Ricardo Marques de Almeida
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Quando se fala de perspectivas sobre um assunto ou quando se quer fazer arranjos institucionais, é muito comum adotar modelos já prontos, o que, em muitos casos, não é de todo recomendável. As conclusões desse trabalho tentam ser realistas. É certo que uma mudança de paradigma dentro da Advocacia-Geral da União trará novos problemas. Trará também novos desafios a serem enfrentados por uma Instituição que amadureceu.
Um primeiro ponto é que não se pode dar continuidade ao modelo existente —proibição, ainda que flexibilizada, da advocacia fora das atribuições funcionais— porque ele contraria a Constituição. A vontade popular soberana se esgotou na constituinte de 1988 e trouxe consensos mínimos representados pelos direitos fundamentais, que não podem ser alterados por vontades circunstanciais do Poder Legislativo, como foi aquela que deu um passo para trás, ao cercear a liberdade de profissão dos advogados públicos do Poder Executivo Federal (rememore-se que os advogados do Senado não tiveram sua liberdade de profissão malferida), conforme artigo 28, I da LC 73/1993. Esse direito —a liberdade de profissão— é uma realidade que somente o pensamento inovador de uma nova assembleia constituinte poderia dar tratamento diverso do atual. Pouco importa, pois, se convicções pessoais ou novas leis ordinárias ou complementares sustentem a proibição: sob a Constituição de 1988, ela nunca terá validade.
Por outro lado, partir de afirmações maniqueístas de que a liberdade de profissão implicaria deixar para segundo plano as atribuições do dia a dia da AGU, é adotar uma presunção de má-fé e mau caratismo e desconsiderar a existência de mecanismos efetivos de controle e fiscalização dos trabalhos dos advogados públicos, que são medidas mais adequadas e menos gravosas para se atingir a mesma finalidade que a intransigente proibição da advocacia almejou. A argumentação contrária ao direito fundamental baseia-se no medo. No entanto, a experiência bem-sucedida de muitos estados é testemunha de que há meios de se garantir a qualidade e presteza do ofício do advogado público. Eventuais escolhas por determinados tipos de controle serão feitas e justificadas, evidentemente, dentro de um debate sobre o desenho institucional que a AGU enfrentará diante da inevitável constatação: não há fundamento constitucional para proibir a advocacia fora das atribuições funcionais.
Importar simplesmente os modelos das Procuradorias de Estado ou até mesmo de outras instituições como o Ministério Público da União é perder a oportunidade de criar um modelo melhor, pois nem o MPU nem as PGE´s se deparam com os problemas e virtudes existentes na AGU. Isso não significa desprezar a experiência dos outros órgãos, mas sinalizar para a necessidade de criar uma moldura que se adapte às efetivas necessidades da advocacia pública federal.
Por tudo isso, é preciso redefinir o estatuto jurídico dos advogados públicos federais à luz da Constituição e assegurar o respeito elementar ao princípio da igualdade: membros iguais devem ter prerrogativas iguais, inclusive o exercício da advocacia privada que é direito fundamental inerente a sua condição de advogado.
[1] A própria Advocacia-Geral da União, por intermédio de sua Corregedoria (Orientação Normativa nº 01/2011 da Corregedoria), exigiu que seus Procuradores devem ser, obrigatoriamente, inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, sob pena de falta funcional. Em outros termos: a AGU reconhece, no que diz respeito às obrigações da profissão, que seus Membros são advogados. Mas, paradoxalmente, os advogados públicos da AGU não são considerados advogados para o exercício da advocacia fora das atribuições funcionais ou para recebimento de honorários.
[2] ALMEIDA, Ricardo Marques de. O estatuto constitucional da Advocacia Pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3334, 17 ago. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22412>. Acesso em: 8 mar. 2013.
[3] ALMEIDA, Ricardo Marques de. A OAB é um serviço público realmente independente? O caso dos advogados do Poder Executivo Federal. Disponível em http://www.advogadospublicos.com.br/noticia/a-oab-e-um-servico-publico-realmente-independente-o-caso-dos-advogados-do-poder-executivo-federal Acesso em: 7 de mar. 2013.
[4] Uma abordagem interessante sobre a crise da legalidade compreendida como a vinculação positiva à lei e sua substituição pela vinculação ao princípio da juridicidade pode ser encontrada em BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 130.
[5] Processo administrativo nº 00404.000124/2013-75
[6] Processo administrativo nº 00407.004734/2011-56 – Parecer nº 22/2012/DEPCONS/PGF/AGU, aprovação em 23.04.2012.
[7] Internamente, há uma peculiaridade interessante: a existência de cargos em comissão, as chamadas “chefias”, dentro da Administração Federal impede que seus titulares advoguem fora das atribuições funcionais, nos termos do Estatuto da OAB. Dentro da AGU, onde esses cargos são bastante numerosos, haveria um controle natural, porque os chefes seriam aqueles que se disporiam a assumir, voluntariamente, o munus de não exercer a advocacia fora das atribuições funcionais e seriam adequadamente remunerados pela sua escolha.
[8] Vale a pena conferir os argumentos sobre a necessidade “permeabilidade do Estado a demandas da sociedade civil” no artigo de Pedro Abramovay disponível em:
[9] Agravo de Instrumento na Ação Popular nº 5003643-37.2012.404.7104 interposto pela União no TRF-4.
[10] No julgamento do RE n º 539370/RJ ficou assentado que temas como “férias” dos procuradores da Fazenda Nacional não estariam compreendidos no conceito de “organização e funcionamento” da AGU (art. 131 da CF), que seriam os únicos submetidos à reserva de lei complementar. No caso, o Supremo aceitou que Lei Ordinária (art. 77 da Lei nº 8.112/90), que reduziu para 30 dias o período de férias de Procurador da Fazenda Nacional, revogasse o art. 30 do Decreto-lei nº 157/67, que foi recepcionado pela Constituição Federal com natureza de Lei Complementar (art. 34 § 5º do ADCT), que lhes atribuia, inicialmente, 60 dias de férias. Outrossim, durante a gestão do Ministro Gilmar Mendes como AGU, medidas provisórias revogaram regras da LC nº 73/93 que fixavam idade mínima para o advogado assumir a Consultoria Jurídica dos Ministério. Na mesma ocasião, o art. 38 §1º, I da MP nº 2.229-43/2001 criou a proibição de advogar para o cargo de procurador federal. Ora, se tantas medidas provisórias modificaram validamente a LC nº 73, tratando sobre as atribuições dos Membros da AGU, fica claro que a proibição de advogar, além de inconstitucional, pode ser livremente tratada por lei ordinária, pois Medida Provisória não pode tratar de matéria de lei complementar (art. 62 § 1º, II da CF/88).
[11] Os dados são do “GT-carreiras” – grupo de trabalho da Advocacia-Geral da União para o aperfeiçoamento das carreiras que a integram
Carlos André Studart Pereira é procurador federal no Rio Grande do Norte e representante da carreira de procurador federal no Conselho Superior da AGU.
Ricardo Marques de Almeida é procurador federal no Rio de Janeiro e representante da carreira de procurador federal no Conselho Superior da AGU.