Previdência complementar cabe à Justiça comum
Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira (20/2) que cabe à Justiça comum julgar processos decorrentes de contrato de previdência complementar privada. A decisão ocorreu em dois Recursos Extraordinários, um do fundo Petros, da Petrobras, e outro do Santander-Banespa. A matéria teve repercussão geral reconhecida e, portanto, passa a valer para todos os processos semelhantes que tramitam nas diversas instâncias do Poder Judiciário.
O Plenário também decidiu modular os efeitos dessa decisão e definiu que permanecerão na Justiça do Trabalho todos os processos que já tiverem sentença de mérito julgada até esta quarta. Dessa forma, todos os demais processos que tramitam na Justiça Trabalhista, mas ainda não tenham sentença de mérito, a partir de agora deverão ser remetidos à Justiça Comum. O ministro Marco Aurélio foi o único divergente nesse ponto, porque votou contra a modulação.
Tese vencedora
A tese vencedora foi aberta pela ministra Ellen Gracie (aposentada) ainda em 2010. Como relatora do Recurso do fundo Petros, a ministra entendeu que a competência para analisar a matéria é da Justiça Comum em razão da inexistência de relação trabalhista entre o beneficiário e a entidade fechada de previdência complementar.
De acordo com ela, a competência não pode ser definida levando-se em consideração o contrato de trabalho já extinto como no caso deste Recurso Extraordinário. Por essa razão, a ministra concluiu que a relação entre o associado e a entidade de previdência privada não é trabalhista, estando disciplinada no regulamento das instituições.
O Recurso foi interposto pela Petros contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu a competência da Justiça Trabalhista para julgar causas envolvendo complementação de aposentadoria por entidades de previdência privada. A Petros alegou que foram violados os artigos 114 e 122, parágrafo 2º, da Constituição Federal, tendo em vista que a competência para julgar a causa seria da Justiça Comum, pois a relação entre o fundo fechado de previdência complementar e o beneficiário não seria trabalhista.
Após o voto da ministra Ellen Gracie, o ministro Dias Toffoli manifestou-se no mesmo sentido do entendimento da relatora. Na sessão desta quarta, reafirmando seu voto, o ministro citou a Emenda Constitucional 20/1998, que deu nova redação ao parágrafo 2º do artigo 202 da Constituição Federal.
De acordo com essa regra, “as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos e regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes”.
Dias Toffoli também destacou que a proposta trazida pela ministra Ellen Gracie “dá solução ao problema”, porque outra alternativa manteria o critério de analisar se haveria ou não, em cada processo, relação de contrato de trabalho. Esse mesmo entendimento foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e Celso de Mello. O ministro Marco Aurélio também deu provimento ao recurso, mas por fundamento diverso.
O ministro Gilmar Mendes destacou que, por envolver a questão de competência, a indefinição e insegurança jurídica se projetam sobre a vida das pessoas que buscam a complementação nos casos determinados. "Acompanho o voto da ministra Ellen Gracie reconhecendo a competência da Justiça Comum e também subscrevendo a sua manifestação no que diz respeito à modulação de efeito, exatamente para dar encaminhamento a esses dolorosos casos que dependem, há tantos anos, de definição", afirmou o ministro Gilmar Mendes.
Também ao acompanhar a ministra Ellen Gracie, o decano da corte, ministro Celso de Mello, enfatizou que "é necessário estabelecer um critério objetivo que resolva a crescente insegurança e progressiva incerteza que se estabelece em torno dessa matéria".
Voto-vista
O presidente da corte, ministro Joaquim Barbosa, apresentou seu voto-vista na sessão e acompanhou o posicionamento do ministro Cezar Peluso (aposentado) em voto apresentado em março de 2010, no qual defendia a competência da Justiça do Trabalho para julgar os casos de complementação de aposentadoria no âmbito da previdência privada quando a relação jurídica decorrer do contrato de trabalho. Esse posicionamento ficou vencido e contou também com o voto da ministra Cármen Lúcia. O ministro Peluso era o relator do recurso de autoria do banco Santander-Banespa contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Conforme defendeu o ministro Peluso na ocasião do seu voto, caberia ao juiz da causa avaliar se determinados processos iriam tramitar na Justiça do Trabalho ou na Justiça Comum. De acordo com ele, se o processo fosse decorrente de contrato de trabalho, seria de competência da Justiça do Trabalho, mas se a matéria não estivesse relacionada ao contrato de trabalho, a Justiça Comum seria competente para análise do processo.
O ministro Joaquim Barbosa afirmou em seu voto que não vê como “segregar o contrato de previdência privada complementar das relações de direito de trabalho eventualmente existentes entre o indivíduo e o patrocinador, com repercussão no que tange à fixação da Justiça Comum como a competente para o julgamento dos conflitos decorrentes desse tipo de ajustes”.
“Refuto a tese de que o artigo 202, parágrafo 2º, poderia amparar a conclusão de que a Justiça do Trabalho não seria mais competente para decidir as ações que envolvem o pleito de complementação da aposentaria”, afirmou o presidente.
De acordo com a proclamação do julgamento, a maioria dos ministros — 6 votos a 3 — deu provimento ao Recurso do fundo Petros. Por outro lado, negou provimento ao do Santander-Banespa, sendo que o ministro Marco Aurélio foi o único vencido neste último.
Modulação
Também na sessão desta quarta-feira, ao resolver uma questão de ordem, o Plenário do Supremo entendeu necessária a maioria de dois terços dos votos, conforme previsto no artigo 27 da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs), para a modulação dos efeitos de decisões em processos com repercussão geral reconhecida. Portanto, este entendimento formado pela maioria da Corte, quanto à exigência do quórum qualificado nestes casos, foi aplicado no julgamento do fundo Petros e será aplicado a partir de agora em matérias semelhantes.
Cinco ministros — Teori Zavascki, Rosa Weber, Cámen Lúcia, Marco Aurélio, Joaquim Barbosa — consideraram que deve ser cumprido o quórum qualificado para modulação de efeitos em recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida. Ficaram vencidos quatro ministros: Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello, os quais entenderam ser possível a modulação, nesses casos, por maioria absoluta do Tribunal. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
REs 586.453 e 583.050